ADAPTAÇÃO SOCIAL FORÇADA: A REGRA DO JOGO NEOLIBERAL

Klazura Marcos
Doutorando em Educação, assistente social
Eyng Ana Maria
Doutora em Educação, professora titular, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

A investigação sobre a adaptação social forçada situa-se na análise dos desdobramentos do modelo econômico neoliberal que condiciona os sujeitos a assimilação e aceitação das regras e normas sociais, aos moldes excludentes do sistema capitalista. Essa comunicação, tem o objetivo de problematizar a adaptação social forçada, imposta aos sujeitos sociais por meio do neoliberalismo.

Assim, à luz da teoria social crítica que reflete a acumulação do capital, as relações do trabalho assalariado, na luta de classes (MARX, 2011), pretende-se evidenciar os mecanismos do modelo econômico global de conformação das subjetividades dos sujeitos que de forma acrítica tornam-se engrenagens funcionais ao modo de produção capitalista. Sob essa ótica, é imprescindível destacar a mundialização da economia de consumo que extrapola a comercialização de produtos, na qual o próprio ser humano é um produto, de um modelo de sociabilidade de mercadorização da vida.

Neste sentido, o fenômeno da reificação que “é a transformação dos seres humanos em coisas” (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 70), se naturaliza na sociedade do capital. Portanto, podemos questionar como a adaptação social forçada pode ser um mecanismo que legitima violações sistemáticas dos direitos humanos, anestesiando os sujeitos que se encontram em uma situação de capacidade de reação fragilizada diante às diversas injustiças sociais e violação da dignidade humana, fruto da lógica neoliberal que se retroalimenta da desigualdade estrutural?

Nesta direção, no atual estágio do capitalismo, as relações sociais são orquestradas pelas políticas de austeridades impostas pelo capital financeiro, eficazmente executadas pelos governos locais, que “[...] buscam manter o poder hegemônico do capital sobre a vida social, impiedosamente, massacram a população trabalhadora, principalmente nos grandes centros urbanos onde as condições de vida e de trabalho apresentam-se mais pauperizadas e precarizadas”. (VERONEZE, 2019, p. 109). Diante dessa realidade, a adaptação social forçada é o instrumento requisitado como estratégia de sobrevivência.

Nesta esteira de estímulo permanente e inconsciente ao consumismo, do fortalecimento das estratégias de redução de direitos para a sua mercadorização, se estabelece um cenário de fragilização dos direitos humanos e sociais, colocando em risco os princípios democráticos e aprofundando a desigualdade social, que se reflete na negação do acesso a um conjunto de direitos.

Em outra direção, se torna bem-sucedida a lógica liberal alimentada nas relações meritocráticas, respaldadas na lei do esforço, do merecimento, das condicionalidades para ser selecionado em quem deve ou não ter direitos, estas são marcas de um processo colonizador respaldado no mando e favor.

Tais marcas produzem um sistema de distinções visíveis e invisíveis, no qual o invisível passa a inexistente. “Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro” (SANTOS, 2007, p. 04). Portanto, os que não se adaptam aos interesses do jogo neoliberal são forçados para fora das fronteiras do modelo econômico, sendo circunscritos aos condicionantes das linhas abissais, conforme Santos (2007), são invisibilizados e excluídos nas periferias.

As periferias, se caracterizam como espaços de exclusão, sobretudo econômica, produzidas pela desigualdade, sendo que “[...] o nível de desigualdade [...] não é inevitável; não é, na mesma medida, resultado de leis econômicas inexoráveis. Trata-se de uma questão de orientações e decisões políticas”. (STIGLITZ, 2018, p. 14). Como resultante das orientações e decisões, mas sobretudo das ações políticas, a exclusão social se produz, como “[...] ruptura dos laços sociais, com prejuízo do acesso e usufrutos de direitos sociais.” (SARMENTO, 2010, p. 182).

A segregação abissal programada e mantida nas desigualdades e injustiças sociais, se manifestam na exclusão e na alienação, nas quais os trabalhadores “[...] são alienados dos produtos de seu trabalho, e o capitalismo produz ‘palácios para os ricos, mas covis para os trabalhadores’” (MARX, 2016).

A alienação levada ao extremo, está na raiz da competição capitalista, do consumismo, do individualismo. Portanto, o modelo neoliberal de desenvolvimento técnico-econômico “[...] produz, de igual modo, subdesenvolvimentos morais e psicológicos ligados à hipertrofia individualista. [...] transforma-se em hiperindividualismo, em perda de solidariedade face a outrem, em egocentrismo alucinado” (MORIN, 2007, p. 54).

Nesse contexto, as desigualdades, a exclusão, a produção da inexistência são frutos do modelo de desenvolvimento que “[...]com seu caráter fundamentalmente técnico e econômico, ignora o que não é calculável, mensurável, como a vida, o sofrimento, a alegria, a infelicidade, as qualidades de vida” (MORIN, 2007, p. 53-54).

Se evidencia, a reivindicação por uma justiça social contra hegemônica que promova a inclusão de epistemologias outras, em conformidade com os propósitos dos estudos decoloniais (WALSH; OLIVEIRA; CANDAU, 2018). E, assim, a promoção de uma abordagem contra hegemônica das políticas econômicas e de conhecimento nas práticas de produção e subsistência, permitem o desenvolvimento da consciência como forma de superação da alienação, tornando maior as possibilidades de inclusão pela via da justiça que suscite reconhecimento, redistribuição e participação (FRASER, 2008, 2009). Deste modo, a inserção e a convivência social se podem efetivar pela via da inclusão, do diálogo, rompendo com as regras do jogo neoliberal e dos estigmas da adaptação forçada.

 

 

Referências

 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. 4. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2009. 479 p

MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858, esboço da crítica da economia política. Trad. Mario Duayer; Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2011.

MARX, Karl. Peuchet: do suicídio. (Tradução José Miranda Justo). Lisboa: Antígona, 2016.

MORIN, Edgar. No coração da crise planetária. In E. Morin & J. Baudrillard. A violência no Mundo. Lisboa: Instituto Piaget, 2007.

FRASER, Nancy. (2008), La justicia social en la era de la política de identidad: redistribución, reconocimiento y participación. Revista de Trabajo, 4(6), 2008.

FRASER, Nancy. Reenquadrando a justiça em um mundo globalizado, Revista Lua Nova: Revista de Cultura e Política”, 77, pp. 11-39, 2009.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes, Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, Outubro, p. 3-46, 2007.

SARMENTO, Manuel Jacinto. Pobreza infantil: factos, interpretações e desafios políticos, in SARMENTO, Manuel Jacinto; VEIGA, Fátima (org.). Pobreza das crianças: realidades, desafios, propostas, edições Húmus, Lda, V.N. Famalicão, 2010.

STIGLITZ, Joseph. O fim das desigualdades: sociedades desiguais e como as mudar, Lisboa, Bertrand Editora, Ltda, 2018.

VERONEZE, Renato Tadeu. Para uma análise de conjuntura: o Brasil e a ofensiva neoliberal. Revista Humanidades em Perspectivas, v. 2, p. 105-124, 2019.

WALSH, Catherine E.; DE OLIVEIRA, Luiz Fernandes; CANDAU, Vera Maria. Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Archivos Analíticos de Políticas Educativas = Education Policy Analysis Archives, v. 26, n. 1, p. 112, 2018.
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