As realidades da vida moderna demonstram cada vez mais, tanto os aspectos problemáticos da existência intercultural dos Estados, quanto as questões do funcionamento multicultural dentro do Estado. Os acontecimentos militares que ocorrem no mundo são uma confirmação viva de que a violação da convivência em sociedade de várias comunidades etnoculturais com sua inerente consciência da identidade nacional leva a graves problemas sociais, cuja solução está localizada no campo da educação intercultural, que está intimamente relacionada à formação de professores. É a consciência jurídica profissional do professor acerca do campo dos direitos humanos na perspectiva intercultural que é a chave não apenas para o ensino de alta qualidade, bem como para a educação da geração mais jovens, mas também um poderoso meio de formar a competência multicultural de uma pessoa, considerando a convivência nas comunidades contemporâneas.
Cabe situar o entendimento de consciência e consciência Jurídica, o fazemos com aporte em Pablo Jimenez Serrano (2018, p. 12). A consciência se constitui e se caracteriza pela subjetividade, entretanto, sua manifestação se opera na intersubjetividade, ou seja, na convivência social. Se trata, portanto, de “[...] um estado espiritual que domina e define sentimentos emoções convicções e atitudes, condição decisiva para as decisões e resoluções de dilemas morais”. Quanto ao conceito de consciência Jurídica, o autor o aborda como parte da consciência social, a qual abarca a consciência jurídica e moral.
“A consciência jurídica é construída com base em uma ordem jurídica pré-estabelecida, ou seja, com base em um conjunto de normas válidas vigentes em determinada sociedade. Estamos falando de uma ordem normativa sabidamente coercitiva, mas também educativa, e que inclui deveres e sanções evidentes expressos na forma de normas primárias e secundárias.” (Jimenez Serrano, 2018, p. 12).O material apresentado reúne posições básicas da Doutora em Ciências, Professora Ana Maria Eyng no Programa de Mestrado e Doutorado no componente educacional "Educação, Direitos Humanos e Formação de Professores" da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Brasil) ao considerar as possibilidades da educação intercultural em direitos humanos para garantir a qualidade social da educação. Tal material é muito interessante do ponto de vista de esclarecer os rumos da formação de professores e psicólogos escolares licenciados, portadores da cultura que se referende numa consciência jurídica e que possam atuar como tradutores dessa cultura para os sujeitos do processo educativo.
O conhecimento e a cooperação científica no programa de formação de mestres e doutores, sob a coordenação da professora Ana Maria Eyng, possibilitaram delinear as posições básicas sobre a importância da formação da consciência jurídica dos professores para a educação dos direitos da criança no Brasil. Tal contexto de enunciação de problemas é extremamente relevante para a compreensão dos rumos da pesquisa internacional e da integração solidária entre os diferentes países. Em um dos trabalhos do pesquisador ucraniano N. Zayachkivska, também é notado que "[...] a educação intercultural é projetada para se tornar um meio poderoso de formar a competência multicultural de uma pessoa moderna" (Заячківська, 2015, p. 293). P. Verbytska, também enfatiza que "[...] os processos modernos de globalização contribuem para o fortalecimento dos processos de integração do espaço educacional mundial, que está se tornando cada vez mais aberto à interação intercultural, aos contatos interculturais e à cooperação internacional, o que implica também uma mudança na composição étnica das classes escolares e dos grupos de alunos" (Вербицька, 2013, p. 194).
Uma das seções do componente educacional é dedicada à consideração do conceito intercultural de direitos humanos, cujo objetivo é compreender as possibilidades da educação intercultural no campo dos direitos humanos para garantir a qualidade social da educação, bem como articular os currículos escolares e a interculturalidade com a garantia dos direitos humanos e da justiça social.
A autora do curso considera que sua ideia central é a previsão de que o direito à educação se relaciona diretamente com o direito ao estudo, mas não se trata de uma simples assimilação de conteúdo, mas de uma questão relevante, significativa, contextual. O direito à educação implica a criação de identidade, individualidade, capacidade de autopercepção e autorregulação, desde que subsidiado por processos pedagógicos e avaliativos que equilibrem a regulação das convenções e a emancipação da vida criativa.
Com base no conceito de escola de qualidade social, proposto por M. Silva, onde se distinguem tais fatores de sua formação como um conjunto de elementos de dimensões socioeconômicas culturais; política de Estado, projetos sociais e ambientais em seu sentido político; requisitos para um financiamento adequado; requisitos para reconhecimento público e avaliação dos educadores; e a utilização de espaços físicos para aprendizagem significativa e experiências democráticas efetivas (Silva, 2003). Esse conjunto de fatores evidencia os desafios conceituais e metodológicos da educação intercultural, de extrema relevância para a sociedade brasileira, na qual vivem moradores de outros países e continentes.
As recomendações da UNESCO sobre educação intercultural enfatizam o problema da educação multicultural, que deve levar em conta a diversidade nacional, linguística, religiosa e socioeconômica, e o problema da interculturalidade, que determina a existência e a interação justa de diversas culturas, a possibilidade de criar manifestações culturais comuns adquiridas por meio de relações de respeito mútuo (UNESCO, 2007: 17).
Em geral, o uso da categoria "interculturalidade" está associado a uma forma inédita de definir o conceito de relações existentes entre culturas, que reconhece a presença, dentro de um mesmo estado ou povo, de diferentes unidades culturais (grupos) com uma cultura diferente da cultura do grupo que representa o poder no estado; reconhece-se o direito de existir de diferentes grupos culturais, aceitando as dificuldades que surgem com base nesse fato; Diferentes grupos culturais são reconhecidos como tendo o direito de se desenvolver a partir de relações, que – paradoxalmente – ampliam as relações culturais e permitem que cada um dos grupos mantenha sua própria identidade.
Em suas palestras, A.M. Eyng enfatiza que é a educação intercultural a oportunidade e o pré-requisito para a necessária superação dos fatores cruéis que dão origem à desigualdade e à injustiça sob o disfarce da hipocrisia e do silêncio que precisam ser superados no campo do currículo. Ou seja, na verdade, estamos falando da necessidade de discutir as possibilidades de formação de consciência jurídica por professores e psicólogos licenciados na educação básica. Pois, "[...] as escolas que são um lugar importante para a inclusão da diversidade e o reconhecimento de cada pessoa como criadora de cultura e sujeito da história, onde lhe são garantidos os direitos humanos. [...] Os problemas escolares exigem a criação, o desenvolvimento e a aplicação de currículos que facilitem a transição do multiculturalismo assimilativo para uma interação intercultural efetiva e crítica" (Eyng, 2018, p. 381).
De fato, a essência da consciência jurídica reside numa espécie de "sintonia" com o direito natural, sua assimilação e posterior tradução, bem como sua aprovação e implementação na atividade profissional e no próprio comportamento. O direito natural realiza sua existência através da consciência jurídica, que é um revezamento do direito natural para o mundo dos fenômenos sociais e jurídico-estatais com consciência das normas e valores do direito natural. A efetividade do direito depende das atividades das instituições jurídicas e do desenvolvimento da consciência profissional dos indivíduos que desempenham profissionalmente funções legislativas e políticas.
A educação intercultural deve levar em conta e incutir reverência ou respeito às diferenças étnicas, nacionais, raciais internas, que estão associadas a diferentes visões de mundo e concepções culturais de seus portadores. Seu objetivo é despertar a percepção sobre a vulnerabilidade das culturas minoritárias e quanto o desconhecimento ou desrespeitos aos seus valores, prejudicam a cultura geral da sociedade. E, assim, despertar reação e resistência para responder a um modo de vida diferente que seja capaz de promover a inclusão intercultural em larga escala.
Nesse sentido, portanto, é bastante bem-sucedido considerar três abordagens para a educação intercultural (Walsh, 2019, p. xx):
– a abordagem relacional, que se refere à forma generalizada de interação e troca entre culturas, ou seja, entre pessoas, práticas, saberes, valores e diferentes tradições culturais que podem ocorrer em condições de igualdade ou desigualdade, cuja natureza problemática reside no fato de ocultar ou minimizar o conflito no contexto de poder, dominação e colonização de longo prazo em que a relação ocorre;
- a abordagem funcional baseia-se no reconhecimento da diversidade e das diferenças culturais, com os objetivos de sua inclusão na estrutura social estabelecida, visa promover o diálogo, a convivência e a tolerância apesar de todos os sinais de assimetria e desigualdade cultural;
- a abordagem crítica é construída com base no problema estrutural-colonial-racial, ou seja, na crítica das diferenças dentro da estrutura colonial e da matriz de poder racial e hierárquico, essa abordagem requer a constante transformação das estruturas, instituições e relações sociais, bem como a criação de diferentes condições de ser, existência, pensar, conhecer, aprender, sentir e viver.
Em nossa opinião, uma grande responsabilidade nesse contexto recai sobre a função do professor, assim como dos psicólogos escolares, que são uma espécie de guias no reconhecimento da diversificação da vida. Eles ajudam a entender que a humanidade desenvolveu naturalmente uma série de diferentes modos de vida, tradições e visões de mundo, e tal amplitude da vida humana enriquece uma pessoa. E a educação intercultural, que apoia a equidade e os direitos humanos, rejeita a discriminação e defende os valores em que se baseia a igualdade e a diferença. Quaisquer atividades educativas que visem estabelecer relações humanas interculturais devem visar à formação da solidariedade humana consciente, por meio do conhecimento e da compreensão de si mesmo de sua cultura, bem como do outro e sua cultura.
Delineado o cenário geral desse currículo e um de seus componentes educacionais, é importante considerar o potencial de um estágio internacional de pós-doutorado, cujo conteúdo refletiria fundamentalmente a prática e a experiência de interação intercultural e ética. A aquisição de maturidade intelectual no decorrer do estágio internacional é acompanhada de diálogos profícuos com os colegas e contribui para o desenvolvimento da autonomia científica do pesquisador. A internacionalização da educação engloba "[...] práticas educacionais, de pesquisa e de gestão que permitam aos indivíduos exercer e vivenciar a cidadania com base no respeito e na interculturalidade crítica no nível transfronteiriço" (Streck, 2021, p. xx).
Voltando às realidades da vida ucraniana, podemos dizer com toda a confiança que a Ucrânia, como país multicultural, contém todo o espectro de problemas de diversificação. A composição nacional e social da Ucrânia foi especialmente alterada por eventos sociopolíticos recentes (ocupação da Crimeia pela Rússia e, desde 2022, uma invasão em grande escala do território e, como resultado, migração, reassentamento, refugio de um grande número de pessoas para diferentes regiões do estado e diferentes países). Assim, na educação dos cidadãos, os problemas da educação intercultural não podem ser evitados, mas, pelo contrário, tornar-se-ão cada vez mais importantes.
Não há dúvida de que a educação intercultural em direitos humanos, que perpassa a análise em abordagens relacionais, funcionais e críticas, inspira o fortalecimento dos valores de cooperação, intercâmbio e parceria para benefício mútuo, de modo que a educação e a pesquisa sejam usadas para estabelecer vínculos entre países cujo propósito é enfrentar os desafios globais e servir à ética intercultural.
References:
- Заячківська Н. (2015). Міжкультурна освіта як виклик для сучасної освіти України. PRACE NAUKOWE Akademii im. Jana Długosza w Częstochowie. Т. XVII. 293-305 ; http://dx.doi.org/10.16926/rpu.2015.17.21
- Вербицька П.В. (2013). Завдання історичної освіти у вимірі сучасних інтеграційних процесів. Львів.
- Silva M.A. (2003). Do projeto político do banco mundial ao projeto político-pedagógico da escola pública brasileira. Cad. Cedes, Campinas. V. 23, N. 61; 283-301.
- UNESCO. Directrices de la Unesco sobre la educación intercultural, Sección de Educación para la Paz y los Derechos Humanos División de Promoción de la Educación de Calidad Sector de Educación. UNESCO Paris, 2007.
- Walsh C. (2019). Interculturalidad crítica y educación intercultural, in VIAÑA, Jorge; TAPIA, Luis; WALSH, Catherine. Construyendo la interculturalidad Critica, Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello, La Paz – Bolivia, 2010. GOMES, Candido Alberto. Educação no século XXI: como será? Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, V.14, N 3. 1113-1134.
- Streck D. R. (2021). Aula Magna: intitulada Internacionalização para o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa, PR: UEPG.
- Eyng A.M., Mota G.L., Pinto M.L.S., Sehn C. (2018). The right to diversity in the route of interculturality in the school curriculum. Ensaio. Volume 26. Issue 99. 373-396.
- Serrano, Pablo Jiménez. La conciencia jurídica como uno de los aspectos filosóficos y psicológicos decisivos del derecho. Revista de Direito Brasileira, São Paulo, SP | v. 20 | n. 8 | p. 4-18 |Mai./Ar. 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2358-1352/2018.v20i8.3804